Qual é a importância do NAVVD e que trabalho você desenvolve?
O NAVVD de
Portalegre faz parte da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência
Doméstica coordenada pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG),
da qual fazem parte os Núcleos e Centros de Atendimento, e as Casas Abrigo.
O nosso
serviço é um entre dez núcleos, e surgiu da premente necessidade de criar
estruturas de atendimento e apoio às Vítimas de Violência Doméstica por todos
os distritos do nosso país. Em janeiro de 2009, e tendo em conta que o nosso
distrito era desprovido de respostas especializadas nesta área, o NAVVD iniciou
a sua atividade, tendo a Delegação de Portalegre da Cruz Vermelha Portuguesa
abraçado este projeto desde o seu início. Ao longo destes cinco anos de
trabalho temos o privilégio de contar com a colaboração de onze instituições
locais, às quais quero agradecer todo o empenho e parceria, sem vocês este
caminho teria com certeza sido mais difícil!
O NAVVD disponibiliza
um atendimento personalizado, gratuito e confidencial direto às Vítimas de
Violência Doméstica ao nível Social, Psicológico, Aconselhamento Jurídico e
Informação à Comunidade em Geral. Desde a sua criação o serviço é coordenado e
assegurado por mim nas mais diversas atividades, e conto com a colaboração do Centro
de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental de Portalegre (CAFAP) com a
cedência de uma Psicóloga e uma Jurista sempre que necessário, permitindo assim
uma intervenção adequada e multidisciplinar nas situações. Atualmente, e
perante o reconhecimento da escassez de recursos humanos nos núcleos, o Governo
atribuiu uma subvenção destinada ao reforço da intervenção dos NAV’s, contando desta
forma, desde há um ano, com uma psicóloga a tempo inteiro, tendo sido um apoio
imprescindível, quer no apoio direto às Vítimas, quer na dinamização de ações
de informação, sensibilização e prevenção sobre a problemática.
A intervenção que desenvolvemos
baseia-se em 4 pilares essenciais, nomeadamente o acompanhamento social,
psicológico e jurídico às Vítimas; colmatando necessidades básicas, tendo em
conta a situação de perigo, e posterior apoio na construção de um projeto de vida;
prestar apoio à comunidade em geral e a quem necessite de informações sobre
Violência Doméstica e desenvolver de ações de sensibilização e prevenção
relacionadas com a temática. A par da maior parte das instituições, também o
NAVVD tem constrangimentos a nível financeiro e de recursos humanos e
materiais, sendo assim privilegiadas as áreas de intervenção direta com as
Vítimas.
O trabalho que
temos vindo a desenvolver no distrito tem permitido dar visibilidade e promover
o debate sobre a problemática, colocando esta questão na agenda das
instituições do nosso distrito, envolvendo-os no combate a este flagelo, bem
como apoiar os técnicos na intervenção e procedimentos a adotar perante uma
Vítima ou o conhecimento de um caso.
Na sequência da resposta à primeira questão quero aproveitar a
oportunidade para esclarecer o que são as Casas Abrigos e desconstruir alguns
mitos existentes…
Estas são
estruturas de acolhimento para Vítimas de Violência Doméstica e seus filhos
menores que se encontrem numa situação de risco grave para a sua integridade
física ou risco de vida e que necessitam de proteção. As Casas Abrigo não devem
ser utilizadas como resposta para situações em que haja insuficiência económica
e que não existe real necessidade de proteção pelo perigo existente, pois estas
instituições têm na generalidade a sua capacidade esgotada, e não devemos
camuflar o objetivo principal da sua existência. Esta será uma solução que deverá
apenas ser equacionada depois de esgotadas todas as alternativas disponíveis,
quer de autonomização pelos próprios meios ou mobilizando os recursos da
comunidade, quer de integração em rede familiar ou de amigos que possa garantir
a segurança necessária ao núcleo familiar.
Perante a
necessidade de encaminhamento para estas instituições deverá recorrer a uma
estrutura de atendimento para a avaliação da sua situação e concretização desse
acolhimento, sendo que para garantir a sua segurança a localização destas casas
é confidencial.
Na minha opinião uma instituição
é sempre uma instituição! Não é fácil deixarmos “tudo para trás”, o nosso
trabalho, a nossa terra, as nossas coisas, mudarmos os nossos filhos de escola,
ele deixar os amiguinhos …mas se não conseguirmos sobreviver a estas situações
todos estes receios não nos valem de muito…e não acontece apenas aos outros!
Temos que pensar que será uma solução temporária para conseguirmos organizar e
estabelecer o nosso projeto de vida, que muitas vezes passa por regressar às
nossas origens.
No dia em que as mulheres celebram o dia da mulher, acha que ainda há
muito a fazer para mudar a mentalidade do Homem?
No meu ponto
de vista acho que há muito a fazer para mudar a mentalidade do Homem, mas
também há muito que fazer para mudar a mentalidade da Mulher. Acho que já muito
foi feito para alcançar a igualdade entre os géneros, no entanto a mudança de
mentalidades é um processo social que demora várias décadas a ser consolidado. Claramente
existem diferenças entre Homens e Mulheres, começando pela característica
física com que nascemos, nomeadamente o sexo, no entanto estas diferenças não
têm que ser sinónimo de desigualdade, mas sim que a Mulher e o Homem se
respeitem enquanto tal e partilhem os seus mundos sem mitos, estereótipos e
preconceitos,
Analisando o
nosso quotidiano existem alguns exemplos práticos que nos devem dar que
pensar….por um lado o Homem não faz limpeza em casa, não passa a ferro, não
cozinha, não estende a roupa, porque é tarefa de Mulher (mentalidade de Homem),
mas muitas vezes somos nós Mulheres que dizemos “deixa estar”, ou porque nós
fazemos melhor, ou porque eles demoram muito tempo, ou simplesmente porque
também admitimos que também não é tarefa para eles. Outra situação que para mim
elucida bem esta situação é quando nós Mulheres chegamos a casa, depois de um
dia de trabalho e de ter ido buscar os miúdos à escola, e ainda passamos a
ferro, fazemos o jantar, deitamos os miúdos, lavamos a loiça, arrumamos a
cozinha, vamos despejar o lixo, ninguém nos diz obrigada porque é uma obrigação
nossa, no entanto quando os Homens fazem alguma destas tarefas nós agradecemos!
Acho que devemos refletir…
Em relação a esta matéria acha que o Distrito de Portalegre se encontra
no século XXI?
A
par da panorâmica nacional e tendo em conta que o distrito de Portalegre é um
dos que apresenta o número mais baixo relativamente às denúncias pela prática
do crime de violência doméstica, acho que poderemos estar no século XXII. Será
que estes são os números reais? Sabemos que não.
Portugal, a
Europa e o Mundo encontram-se no século XXI? Sabendo que a violência é um
fenómeno transversal, independentemente da cultura, da etnia, da religião, do
estrato social e económico, pergunto eu: o Mundo estará em que século?
Qual a maior dificuldade que encontra para desenvolver o seu trabalho?
Neste tipo de
trabalho é fácil depararmo-nos com várias dificuldades, seja a nível da
intervenção direta com as vítimas seja a nível institucional. É comum as
mulheres e homens vítimas de violência doméstica apresentarem vários
retrocessos ao longo da intervenção, o que pode acarretar para o técnico alguma
frustração no seu trabalho. Com o tempo, vai-se compreendendo que estes recuos
são caraterísticas inerentes ao próprio processo de vitimização.
Talvez mais
difícil seja ultrapassar os inúmeros obstáculos institucionais ainda
existentes. A Violência Doméstica é uma problemática rodeada de mitos que
prejudicam a intervenção dos próprios serviços. É frequente encontrarmos
técnicos ainda muito resistentes na forma de atuação perante uma situação de
Violência Doméstica, quer por desconhecimento a nível legislativo ou por formação
insuficiente, quer por minimização das situações.
A condição socioeconómica é a única razão que existe para a agressão ou
mau trato?
Dificilmente
a Violência Doméstica é explicada apenas por uma única razão, seja ela qual
for. Na verdade, esta problemática surge por uma conjugação de fatores de vária
ordem, tendo cada uma deles um impacto diferente consoante cada pessoa, cada
situação. Além disso, a Violência Doméstica, como já referi, é um problema
transversal aos vários estratos socioeconómicos, ainda que tenha maior
visibilidade nas classes sociais mais desfavorecidas, uma vez que nos níveis
superiores existem outros mecanismos de ocultação destas situações.
Sente que o seu trabalho é eficaz?
A eficácia
deste trabalho nem sempre é fácil de medir pelas próprias caraterísticas da
problemática. Ainda assim, ao longo destes 5 anos temos tido várias situações
de sucesso, em que, com o apoio do NAVVD, entre outros, as vítimas conseguem
abandonar o contexto violento e iniciar a construção de uma nova vida. Pela
importância que este trabalho tem nas vidas das pessoas, se a vida de uma única
pessoa se alterar para melhor, já é o suficiente para ser considerado eficaz.
Já teve medo? Quando?
Sim.
No entanto, este medo não acontece aquando da necessidade de intervenção direta
e urgente nas situações, pois as emoções embora controladas são bastante
intensas, e o sentimento de que temos que fazer alguma coisa para ajudar e
apoiar aquela pessoa é constante. Paralelamente, nestas situações, e apesar da
pressão, existem muitas variáveis que têm que ser equacionadas de forma a agir
com cautela e ponderação, tendo que considerar a proteção de todos os
intervenientes. Tenho assim que salientar o importante papel das forças de
segurança na cooperação estabelecida neste tipo de situações. Talvez por este
trabalho possuir esta componente de risco o torna tão estimulante.
Como deve ser feita a denúncia?
A
denúncia pode ser feita junto de uma esquadra da PSP, posto de GNR, Ministério
Público, Instituto de Medicina Legal ou Polícia Judiciária, devendo ser
solicitado o comprovativo de queixa e o estatuto de Vítima se atribuído.
Qualquer pessoa pode efetuar uma denúncia de Violência Doméstica, uma vez que
este é já considerado um crime público (Lei nº
7/2000, de 27 de Maio). Existe um prazo de 6 meses para ser efetuada denúncia desde o momento da ocorrência dos factos.
Depois do primeiro contato com a vitima, como se desenvolve o processo
de ajuda?
Um processo tem o seu início com uma sinalização, podendo
esta ser efetuada por qualquer pessoa, de forma anónima ou não, ou pelos vários
serviços da comunidade. A intervenção inicia-se com a obtenção do consentimento
informado da Vítima, decorrendo sempre de forma voluntária e desenvolvendo-se
em três fases distintas. Numa primeira fase de intervenção é feita a
avaliação da situação, sendo identificado as necessidades básicas e posteriores
encaminhamentos para as respostas mais adequadas, indo desde a alimentação ao
acolhimento de emergência e posterior inserção em rede familiar/amigos ou em
Casa Abrigo, podendo estas diligências implicar o acompanhamento Técnico. O
processo poderá cessar por vontade própria da Vítima
ou por conclusão do plano de intervenção.
Durante quanto tempo acompanha a vítima?
A intervenção é delineada tendo em conta a especificidade
de cada pessoa e necessidades diagnosticadas, portanto o tempo de
acompanhamento é variável e dependente de vários fatores. Existem situações que
apenas num atendimento são colmatadas as necessidades identificadas, como
prestar algum esclarecimento ou informação, mas por outro lado existem pessoas
que estão em acompanhamento a alguns anos.
Que mensagem deixa às mulheres que ainda não tiveram coragem de
contactar o Núcleo?
Para além de
coisas que já são do conhecimento de todos/as nós, que devemos abandonar a
relação violenta, devemos apresentar queixa, devemos procurar ajuda
especializada…tudo isto é muito importante mas gostaria de deixar uma mensagem diferente
e fazer-nos refletir.
Já pensou que muitas vezes abdica de cuidar
de si para dar atenção aos outros e viver a vida desses outros? Já reparou que são várias as alturas em que
se coloca em segundo plano? E você, onde fica no meio disto tudo?
Cada vez mais devemos dar
importância à relação que temos connosco próprios, pois ajuda-nos a viver
melhor com as nossas emoções e experiências. Como se costuma dizer “primeiro
tenho que gostar de mim para os outros gostarem”. Tendo em conta algumas
investigações e perspetivas teóricas referem que cuidarmos melhor de nós
permite-nos estabelecer relações mais positivas com os outros, ter maior
qualidade e satisfação com a vida, e lidarmos melhor com o impacto que certos
acontecimentos negativos têm em nós.
Neste
seguimento, e a par da atividade que o NAVVD está a realizar para a Comemoração
do Dia Internacional da Mulher com a distribuição de crachás e pulseiras por
alguns restaurantes e bares da cidade, deixamos uma última mensagem: devemos amar-nos para sermos amados,
aceitar-nos para nos aceitarem, valorizar-nos para nos valorizarem e respeitar-nos
para que nos possam respeitar…
Obrigada a todos.
Até breve.
Poderá contactar-nos através do
telefone 245 366 077 ou 963 043 719 e agendar um atendimento, respeitando a sua
disponibilidade, para obter informação, esclarecimento e/ou acompanhamento que
considere necessário.