sábado, 8 de março de 2014

Carla Baptista (Assistente Social) – Núcleo de Atendimento às Vitimas de Violência Doméstica do Distrito de Portalegre.





 

 

 

 

 

 


Qual é a importância do NAVVD e que trabalho você desenvolve?

               

O NAVVD de Portalegre faz parte da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica coordenada pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), da qual fazem parte os Núcleos e Centros de Atendimento, e as Casas Abrigo.

 

O nosso serviço é um entre dez núcleos, e surgiu da premente necessidade de criar estruturas de atendimento e apoio às Vítimas de Violência Doméstica por todos os distritos do nosso país. Em janeiro de 2009, e tendo em conta que o nosso distrito era desprovido de respostas especializadas nesta área, o NAVVD iniciou a sua atividade, tendo a Delegação de Portalegre da Cruz Vermelha Portuguesa abraçado este projeto desde o seu início. Ao longo destes cinco anos de trabalho temos o privilégio de contar com a colaboração de onze instituições locais, às quais quero agradecer todo o empenho e parceria, sem vocês este caminho teria com certeza sido mais difícil!

 

O NAVVD disponibiliza um atendimento personalizado, gratuito e confidencial direto às Vítimas de Violência Doméstica ao nível Social, Psicológico, Aconselhamento Jurídico e Informação à Comunidade em Geral. Desde a sua criação o serviço é coordenado e assegurado por mim nas mais diversas atividades, e conto com a colaboração do Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental de Portalegre (CAFAP) com a cedência de uma Psicóloga e uma Jurista sempre que necessário, permitindo assim uma intervenção adequada e multidisciplinar nas situações. Atualmente, e perante o reconhecimento da escassez de recursos humanos nos núcleos, o Governo atribuiu uma subvenção destinada ao reforço da intervenção dos NAV’s, contando desta forma, desde há um ano, com uma psicóloga a tempo inteiro, tendo sido um apoio imprescindível, quer no apoio direto às Vítimas, quer na dinamização de ações de informação, sensibilização e prevenção sobre a problemática.

A intervenção que desenvolvemos baseia-se em 4 pilares essenciais, nomeadamente o acompanhamento social, psicológico e jurídico às Vítimas; colmatando necessidades básicas, tendo em conta a situação de perigo, e posterior apoio na construção de um projeto de vida; prestar apoio à comunidade em geral e a quem necessite de informações sobre Violência Doméstica e desenvolver de ações de sensibilização e prevenção relacionadas com a temática. A par da maior parte das instituições, também o NAVVD tem constrangimentos a nível financeiro e de recursos humanos e materiais, sendo assim privilegiadas as áreas de intervenção direta com as Vítimas.

 

O trabalho que temos vindo a desenvolver no distrito tem permitido dar visibilidade e promover o debate sobre a problemática, colocando esta questão na agenda das instituições do nosso distrito, envolvendo-os no combate a este flagelo, bem como apoiar os técnicos na intervenção e procedimentos a adotar perante uma Vítima ou o conhecimento de um caso.

 

Na sequência da resposta à primeira questão quero aproveitar a oportunidade para esclarecer o que são as Casas Abrigos e desconstruir alguns mitos existentes…

 

Estas são estruturas de acolhimento para Vítimas de Violência Doméstica e seus filhos menores que se encontrem numa situação de risco grave para a sua integridade física ou risco de vida e que necessitam de proteção. As Casas Abrigo não devem ser utilizadas como resposta para situações em que haja insuficiência económica e que não existe real necessidade de proteção pelo perigo existente, pois estas instituições têm na generalidade a sua capacidade esgotada, e não devemos camuflar o objetivo principal da sua existência. Esta será uma solução que deverá apenas ser equacionada depois de esgotadas todas as alternativas disponíveis, quer de autonomização pelos próprios meios ou mobilizando os recursos da comunidade, quer de integração em rede familiar ou de amigos que possa garantir a segurança necessária ao núcleo familiar.

 

Perante a necessidade de encaminhamento para estas instituições deverá recorrer a uma estrutura de atendimento para a avaliação da sua situação e concretização desse acolhimento, sendo que para garantir a sua segurança a localização destas casas é confidencial.

Na minha opinião uma instituição é sempre uma instituição! Não é fácil deixarmos “tudo para trás”, o nosso trabalho, a nossa terra, as nossas coisas, mudarmos os nossos filhos de escola, ele deixar os amiguinhos …mas se não conseguirmos sobreviver a estas situações todos estes receios não nos valem de muito…e não acontece apenas aos outros! Temos que pensar que será uma solução temporária para conseguirmos organizar e estabelecer o nosso projeto de vida, que muitas vezes passa por regressar às nossas origens.

 

 

No dia em que as mulheres celebram o dia da mulher, acha que ainda há muito a fazer para mudar a mentalidade do Homem?

No meu ponto de vista acho que há muito a fazer para mudar a mentalidade do Homem, mas também há muito que fazer para mudar a mentalidade da Mulher. Acho que já muito foi feito para alcançar a igualdade entre os géneros, no entanto a mudança de mentalidades é um processo social que demora várias décadas a ser consolidado. Claramente existem diferenças entre Homens e Mulheres, começando pela característica física com que nascemos, nomeadamente o sexo, no entanto estas diferenças não têm que ser sinónimo de desigualdade, mas sim que a Mulher e o Homem se respeitem enquanto tal e partilhem os seus mundos sem mitos, estereótipos e preconceitos,

Analisando o nosso quotidiano existem alguns exemplos práticos que nos devem dar que pensar….por um lado o Homem não faz limpeza em casa, não passa a ferro, não cozinha, não estende a roupa, porque é tarefa de Mulher (mentalidade de Homem), mas muitas vezes somos nós Mulheres que dizemos “deixa estar”, ou porque nós fazemos melhor, ou porque eles demoram muito tempo, ou simplesmente porque também admitimos que também não é tarefa para eles. Outra situação que para mim elucida bem esta situação é quando nós Mulheres chegamos a casa, depois de um dia de trabalho e de ter ido buscar os miúdos à escola, e ainda passamos a ferro, fazemos o jantar, deitamos os miúdos, lavamos a loiça, arrumamos a cozinha, vamos despejar o lixo, ninguém nos diz obrigada porque é uma obrigação nossa, no entanto quando os Homens fazem alguma destas tarefas nós agradecemos! Acho que devemos refletir…

 

Em relação a esta matéria acha que o Distrito de Portalegre se encontra no século XXI?

                A par da panorâmica nacional e tendo em conta que o distrito de Portalegre é um dos que apresenta o número mais baixo relativamente às denúncias pela prática do crime de violência doméstica, acho que poderemos estar no século XXII. Será que estes são os números reais? Sabemos que não.

Portugal, a Europa e o Mundo encontram-se no século XXI? Sabendo que a violência é um fenómeno transversal, independentemente da cultura, da etnia, da religião, do estrato social e económico, pergunto eu: o Mundo estará em que século?

 

Qual a maior dificuldade que encontra para desenvolver o seu trabalho?

Neste tipo de trabalho é fácil depararmo-nos com várias dificuldades, seja a nível da intervenção direta com as vítimas seja a nível institucional. É comum as mulheres e homens vítimas de violência doméstica apresentarem vários retrocessos ao longo da intervenção, o que pode acarretar para o técnico alguma frustração no seu trabalho. Com o tempo, vai-se compreendendo que estes recuos são caraterísticas inerentes ao próprio processo de vitimização.

Talvez mais difícil seja ultrapassar os inúmeros obstáculos institucionais ainda existentes. A Violência Doméstica é uma problemática rodeada de mitos que prejudicam a intervenção dos próprios serviços. É frequente encontrarmos técnicos ainda muito resistentes na forma de atuação perante uma situação de Violência Doméstica, quer por desconhecimento a nível legislativo ou por formação insuficiente, quer por minimização das situações.

 

A condição socioeconómica é a única razão que existe para a agressão ou mau trato?

                Dificilmente a Violência Doméstica é explicada apenas por uma única razão, seja ela qual for. Na verdade, esta problemática surge por uma conjugação de fatores de vária ordem, tendo cada uma deles um impacto diferente consoante cada pessoa, cada situação. Além disso, a Violência Doméstica, como já referi, é um problema transversal aos vários estratos socioeconómicos, ainda que tenha maior visibilidade nas classes sociais mais desfavorecidas, uma vez que nos níveis superiores existem outros mecanismos de ocultação destas situações.

 

Sente que o seu trabalho é eficaz?

A eficácia deste trabalho nem sempre é fácil de medir pelas próprias caraterísticas da problemática. Ainda assim, ao longo destes 5 anos temos tido várias situações de sucesso, em que, com o apoio do NAVVD, entre outros, as vítimas conseguem abandonar o contexto violento e iniciar a construção de uma nova vida. Pela importância que este trabalho tem nas vidas das pessoas, se a vida de uma única pessoa se alterar para melhor, já é o suficiente para ser considerado eficaz.

 

Já teve medo? Quando?

                Sim. No entanto, este medo não acontece aquando da necessidade de intervenção direta e urgente nas situações, pois as emoções embora controladas são bastante intensas, e o sentimento de que temos que fazer alguma coisa para ajudar e apoiar aquela pessoa é constante. Paralelamente, nestas situações, e apesar da pressão, existem muitas variáveis que têm que ser equacionadas de forma a agir com cautela e ponderação, tendo que considerar a proteção de todos os intervenientes. Tenho assim que salientar o importante papel das forças de segurança na cooperação estabelecida neste tipo de situações. Talvez por este trabalho possuir esta componente de risco o torna tão estimulante.

 

Como deve ser feita a denúncia?

                A denúncia pode ser feita junto de uma esquadra da PSP, posto de GNR, Ministério Público, Instituto de Medicina Legal ou Polícia Judiciária, devendo ser solicitado o comprovativo de queixa e o estatuto de Vítima se atribuído. Qualquer pessoa pode efetuar uma denúncia de Violência Doméstica, uma vez que este é já considerado um crime público (Lei nº 7/2000, de 27 de Maio). Existe um prazo de 6 meses para ser efetuada denúncia desde o momento da ocorrência dos factos.

 

Depois do primeiro contato com a vitima, como se desenvolve o processo de ajuda?

                Um processo tem o seu início com uma sinalização, podendo esta ser efetuada por qualquer pessoa, de forma anónima ou não, ou pelos vários serviços da comunidade. A intervenção inicia-se com a obtenção do consentimento informado da Vítima, decorrendo sempre de forma voluntária e desenvolvendo-se em três fases distintas. Numa primeira fase de intervenção é feita a avaliação da situação, sendo identificado as necessidades básicas e posteriores encaminhamentos para as respostas mais adequadas, indo desde a alimentação ao acolhimento de emergência e posterior inserção em rede familiar/amigos ou em Casa Abrigo, podendo estas diligências implicar o acompanhamento Técnico. O processo poderá cessar por vontade própria da Vítima ou por conclusão do plano de intervenção.

 

 

Durante quanto tempo acompanha a vítima?

A intervenção é delineada tendo em conta a especificidade de cada pessoa e necessidades diagnosticadas, portanto o tempo de acompanhamento é variável e dependente de vários fatores. Existem situações que apenas num atendimento são colmatadas as necessidades identificadas, como prestar algum esclarecimento ou informação, mas por outro lado existem pessoas que estão em acompanhamento a alguns anos.

 

Que mensagem deixa às mulheres que ainda não tiveram coragem de contactar o Núcleo?

Para além de coisas que já são do conhecimento de todos/as nós, que devemos abandonar a relação violenta, devemos apresentar queixa, devemos procurar ajuda especializada…tudo isto é muito importante mas gostaria de deixar uma mensagem diferente e fazer-nos refletir.

 

Já pensou que muitas vezes abdica de cuidar de si para dar atenção aos outros e viver a vida desses outros? Já reparou que são várias as alturas em que se coloca em segundo plano? E você, onde fica no meio disto tudo?

Cada vez mais devemos dar importância à relação que temos connosco próprios, pois ajuda-nos a viver melhor com as nossas emoções e experiências. Como se costuma dizer “primeiro tenho que gostar de mim para os outros gostarem”. Tendo em conta algumas investigações e perspetivas teóricas referem que cuidarmos melhor de nós permite-nos estabelecer relações mais positivas com os outros, ter maior qualidade e satisfação com a vida, e lidarmos melhor com o impacto que certos acontecimentos negativos têm em nós.

 

Neste seguimento, e a par da atividade que o NAVVD está a realizar para a Comemoração do Dia Internacional da Mulher com a distribuição de crachás e pulseiras por alguns restaurantes e bares da cidade, deixamos uma última mensagem: devemos amar-nos para sermos amados, aceitar-nos para nos aceitarem, valorizar-nos para nos valorizarem e respeitar-nos para que nos possam respeitar…


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Obrigada a todos.

Até breve.

 

Poderá contactar-nos através do telefone 245 366 077 ou 963 043 719 e agendar um atendimento, respeitando a sua disponibilidade, para obter informação, esclarecimento e/ou acompanhamento que considere necessário.