Entretanto surgiu uma
notícia menos boa, não foi?
Foi uma
notícia muito grave, muito dolorosa. Não há palavras, é uma coisa estranha que
se sente. Foi muito estranho porque o Luiz andava a sentir-se com dores de
estomago, e de repente marquei uma consulta para Portalegre, só que telefonaram
na segunda-feira a seguir à Pascoa a dizer que iriam adiar a consulta porque o
médico não podia. Nesse dia, como estava em casa na Internet, comecei à procura
de sítios onde podia haver gastroenterologia. Porque claro, nós achávamos que
era estomago devido às dores que o Luiz tinha no estomago, e fomos ao Hospital
dos Lusíadas.
Nunca mais me
esqueço, dia 4 de Abril. A partir daí, começou a nova etapa da nossa vida. A
médica foi incansável, a Dr.ª Isabel Claro. Lembro-me tão bem da cara que ela
fez quando viu as análises do Luiz. Ela não quis que saíssemos do hospital sem
fazer análises. Quando ela olhou para o Luiz e viu a sua cor - como eu estou
com ele todos os dias não a achava estranha - ela achou que ele estava muito
pálido e mandou-o fazer análises. Depois quando tínhamos as análises na mão,
entre as 16h e as 18h, entrámos novamente no consultório com ela e eu disse que
o achava um bocadinho branco, pálido. Ela disse que também achava, e era por
isso que o tinha mandado fazer análises, para tirar umas dúvidas. Foi quando
nos disse que do estomago não era, e que ia procurar um colega de hematologia
para ver as análises. Só que ele não estava de serviço, só nas sextas-feiras.
Então perguntou-nos de onde erámos, à qual respondemos que eramos de
Portalegre. Disse para irmos imediatamente de Lisboa para o hospital de
residência. Se no hospital não fizessem nada e nos mandassem para casa nessa
quarta-feira, teríamos que voltar lá na sexta-feira sem precisar de consulta,
que o colega dela de hematologia nos atendia. Queria colocar-nos-ia lá de
qualquer maneira.
Claro que
fiquei um bocado assustada porque ela não me dizia nada. Nós vimos que as
coisas estavam um bocado graves. Acho que nunca tinha ido a Lisboa para entrar
num consultório e seguir para Portalegre. Foi uma viagem muito estranha.
Como foi a partir
daí?
Entretanto chegámos a Portalegre,
diretamente para o hospital. Telefonei a uma amiga que é enfermeira – a Vera - e
disse-lhe que estava nas urgências, mas ela não estava de serviço. Mas disse
que ia contactar os colegas que estavam de serviço para saber o que se passava
com o Luiz. Assim que chegámos, já trazíamos a carta com as análises do Luiz.
Puseram-lhe logo uma pulseira amarela nas urgências e mandaram-nos entrar. Não
estivemos na sala de espera nem um segundo.
A partir daí, vem o médico para
observar o Luiz. Mandou repetir as análises para confirmar e, começou uma
grande agitação entre médicos à volta dele. Disseram-nos que ele estava com
anemia, o que também a médica em Lisboa tinha confirmado. Mas não nos diziam
mais nada. Só achavam estranho porque o Luiz não estava a perder sangue, então
porquê a anemia?
E foi aí que lhe fizeram um
exame, onde lhe puseram uma sonda pelo nariz porque queriam saber se ele tinha
sangue no estomago. Pediram para ele beber um pouco de água e conforme metiam a
sonda, ia saindo o que estava no estomago. Daí percebemos que não era do
estomago pois não saía sangue de lá. Nunca tinha visto o Luiz tão aflito, mas
também fiquei sempre perto dele.
A partir daí, fizeram-lhe os
exames necessários e ligaram para Lisboa, para ver se o podiam atender.
Disseram que só podiam no dia a seguir, pois já era tarde. O médico pediu para
ele passar a noite no hospital e eu concordei, porque sou muito terra a terra.
Doeu-me muito ter que o deixar
lá, porque inicialmente ele ficou numa cama do corredor das urgências, porque
não havia quarto em lado nenhum. As urgências estavam entupidas de gente. E
depois há a situação de me terem dado a roupa do Luiz num saco preto. É uma
imagem que não me sai da cabeça, pegar num saco com a roupa do Luiz.
Cheguei lá fora, chorei e entrei
em pânico. Telefonei a um casal amigo a dizer que tinha deixado o Luiz no
hospital e vim para casa.
Então no fundo ainda
não se sabia totalmente o que era?
Só anemia. Apenas nos diziam que
era anemia. Apesar de eu saber lá no fundo que o Luiz tinha qualquer coisa mais
grave por causa do valor das análises. Tinha que haver ali qualquer coisa.
No dia a seguir fui trabalhar de
manhã e a Vera telefonou-me a dizer que não estava de serviço mas que ia às
urgências, e perguntou se queria ir com ela. E eu fui lá, ter com ela. Ela só
me disse uma palavra: É preciso teres
muita força. E eu de imediato perguntei se ela sabia de alguma coisa. Vêm aí tempos difíceis, disse.
Aquelas palavras foram muito
fortes, o que me deixou a pensar muito. Mas ao mesmo tempo eu não pensava. Nunca
me passou pela cabeça.
Nessa tarde, pelas três, o Luiz
saiu de Portalegre de ambulância. Gostava de ter ido com ele mas não me
deixaram. Disseram-me apenas que ele iria fazer um exame a Lisboa no Hospital
dos Capuchos e que voltaria. Aí comecei a sentir o meu coração mais apertado.
Era uma coisa muito estranha.
Por volta das sete da tarde o
Luiz disse-me que a ambulância tinha ido embora e que tinha ficado em Lisboa. À
qual eu perguntei porquê. Fizeram-lhe um mielograma e ele ficou lá. Comecei
logo a pensar que teria que ir para Lisboa, não o ia deixar lá.
Nisto, por volta das nove da
noite, estava eu em casa sozinha e o Luiz liga-me a chorar. Perguntei o que se
passava, quando me respondeu muito baixinho: Tenho leucemia.
Eu naquele momento não sei o que
pensei. Fiquei forte e disse para ter calma, que tudo se iria resolver e que
estaria a caminho. No momento, eu nem pensei o que era leucemia. Considerei uma
espécie de dor de dentes. Não medi isto quando estava a falar com ele ao
telefone. O que eu queria era transmitir-lhe segurança e calma, porque ele
estava a duzentos e tal quilómetros sozinho a receber uma notícia daquelas.
Longe senti-me muito impotente e só queria estar ao pé dele. Ele apenas me
pediu para ligar aos pais porque não conseguia falar com ninguém.
Desliguei o telefone e chorei
antes de ligar aos pais dele. Primeiro liguei aos meus porque precisava de me
acalmar porque estava muito nervosa e continuei chorar. A minha mãe apenas me
disse para ter calma, pois não estava sozinha, dizendo que iriam ter comigo.
Pedi-lhes para não virem, porque eles moram em Castelo Branco e era tarde.
Só queria estar sozinha naquele
momento. Precisava chorar e pensar o que seria a vida a partir de agora. Não
era pensar na vida, mas sim de como o Luiz estaria naquele momento sozinho. O
meu pensamento era saber como é que ele estava. Não me importei comigo ou com o
que poderia vir a acontecer. Apenas queria saber como é que ele estava no
momento, porque estava sozinho.
Eu só queria ir para lá. Mas ao
ir para lá àquela hora, não me iriam deixar entrar. Fiquei entre a espada e a
parede. Senti-me totalmente impotente.
Com isto liguei ao meu sogro e
tentei controlar-me ao máximo e dizer-lhe que o Luiz estava em Lisboa, e que já
me tinha ligado a dizer o resultado do exame. Contei-lhe que o que o Luiz tem
não é bom, o que ele tem é leucemia. E ele do outro lado disse: eu tinha tanto medo. Dava-me a sensação
que ele sabia que algo de grave estava para acontecer.
No fundo tentamos ver
pelo lado positivo mas pensando bem na sequência…
Nós tentamos sempre pensar que
nunca nos acontece a nós. Só aos outros. Mas os outros somos nós. Quando nos
apercebemos que nós somos os outros, ficamos sem chão. Sem nada. Só nos apetece
isolar num cantinho e perguntar o porquê. Chegámos a um ponto que eu e o Luiz
dissemos que nunca iriamos perguntar o porquê de isto nos ter acontecido, mas
sim o que iriamos aprender com isto. Este é o nosso lema desde o primeiro dia.
Nessa noite, uma prima do Luiz
veio ter comigo porque não queria que eu estivesse sozinha. Mas eu precisava
mesmo de falar com o Luiz. Sabendo que ele sabia que a prima dele aqui estava,
acabava por não falar comigo da mesma maneira. A seguir ela foi embora e eu
liguei ao Luiz. Tivemos a falar bastante tempo, dizendo-lhe que no dia a seguir
estaria lá, sem dúvida. Deitei-me e chorei muito essa noite. Foi uma noite que
não dormi, mas não a pensar na doença. É estranho. Eu nunca pensei o que era a
doença. Não queria saber. Eu só estava preocupada com o facto de ele estar
sozinho com uma notícia destas. O meu pânico era esse.
Daí eu dizer que é um amor que
não se explica. Sente-se.
No dia a seguir, sexta-feira de
manhã, às oito da manhã estava à porta do Centro de Saúde de Portalegre para
arranjar uma baixa e contar à médica o que se estava a passar. Precisava de ir
para Lisboa e não sabia o tempo que isto iria demorar.
Então fui para Lisboa com a prima
do Luiz. Ela indicou-me o caminho, apesar de não saber como o fiz,
sinceramente. Fui eu a conduzir, mas não me lembro muito da viagem.
Assim que cheguei fui logo para o
hospital e deixaram-me entrar para o pé do Luiz. Claro que quando nos vimos um
ao outro, chorámos agarrados. Eu disse-lhe que não estaria sozinho e que eu
estaria sempre ao lado dele, nos bons e nos maus momentos. Longe de mim deixar
alguma vez o Luiz sozinho nesta situação. ´
Desde o diagnóstico até hoje quanto tempo é que já passou?
Foi desde o dia 4 de Abril. Em
Abril foi diagnosticado e depois fez uma sessão de quimioterapia onde obteve
remissão da doença. Depois voltou a fazer quimioterapia a consolidação.
Portanto no primeiro ciclo fez três vezes quimioterapia. No fim de fazer isto
tudo, o Luiz obteve a remissão da doença.
Em Agosto o Luiz teve alta e
viemos para casa. Mas nesse tempo, entre Abril e Agosto, vínhamos a casa entre
15 dias. No final de cada ciclo, vem-se a casa, para ele também respirar e sair
daquele ambiente.
Quando nos disseram que o Luiz
estava bem em Agosto, alertaram-nos sempre que a leucemia é uma doença onde
podem haver recaídas. Disseram para fazermos a nossa vida normal mas tendo em
atenção que ele é um doente oncológico.
Voltámos. É claro que o Luiz
tinha certos limites onde não podia apanhar sol, tinha que ter muito cuidado
com a alimentação e a comida tinha que ser feita na hora para comer. O que sobrava
do almoço já não podia dar para o jantar. Tinha que ter muitos cuidados. Eu em
tom de brincadeira já digo ao Luiz que aprendi a cozinhar porque estávamos
habituados a aquecer comida que os pais faziam para nós. Não é que não goste de
cozinhar, mas só para dois é uma coisa muito pequenina. E a hora de almoço é
muito limitada porque é apenas uma hora. Estava habituada a fazer jantares, mas
almoços não. De repente vi-me numa situação que tenho que fazer almoço e jantar
na hora para o Luiz.
É uma nova etapa da nossa vida.
Uma nova maneira de encarar as coisas.
Há quem sinta a doença fisicamente, mas depois há uma família e amigos
que sofrem com esta doença não é?
Sem dúvida alguma. Não tenho a
menor dúvida que somos muitos a sofrer pelo mesmo. Não quero comparar
sentimentos de ninguém. Todos sofremos da maneira que sabemos. Eu provavelmente
sofro um bocadinho mais, mas porque estou diariamente com o Luiz. Vejo como ele
está, vejo os maus bocados que ele passa, vejo quando ele não quer comer.
Quando se está a fazer quimioterapia, esta não é boa para o corpo. Aquilo
queima e mata o que há no corpo. É muito forte. É óbvio que o organismo sofre
muito com isso. Há muito mau estar, onde eu estive sempre presente com ele.
Tive dias muito maus. Mas o que é certo é que, em cada dia que passava eu ia
sempre com uma força para animar o Luiz, e nunca vinha do hospital sem ele me
dar um sorriso. Nós estamos a ser muito unidos nesta fase.
Há pouco disseste que são muito mais pessoas a sofrer. E realmente
essas pessoas têm sido muito solidários com vocês. Houve agora recentemente uma
campanha de recolha de dadores, neste caso na ESTG. Mas no fundo também mostra
um bocadinho o que esta comunidade associada ao IPP – de onde o Luiz é
funcionário – se encontra em torno desta causa.
Uma coisa eu tenho que dizer. Não
o posso omitir. Do IPP recebemos sempre telefonemas a quererem ser solidários e
a querer ajudar. O Luiz está no Hospital dos Capuchos e a
equipa é fantástica. Tanto a médica como enfermeiros e auxiliares. São todos
impecáveis. É uma família também lá.
E como na ESTG já somos uma
família, aquele apoio que tenho deles é fundamental para o meu bem-estar e para
o do Luiz. Têm sido para além de amigos, pessoas extraordinárias e humanas. Às
vezes pessoas que não estamos a contar que sejam tão unidas tornam-se ainda
mais próximas de nós. Faltam-me palavras. É um sentimento tão forte. Nós
conhecemos muita gente, mas quando nos vemos nesta situação pensamos: O que vai ser de nós?
De repente ficamos rodeados de
gente a querer saber de nós. Na primeira vez que o Luiz esteve no hospital
durante 34 dias, eu gastei o plafond do meu telemóvel numa semana. Por aí se vê
como foi. Quando as pessoas ligavam e eu não podia atender, eu ligava à noite
quando saía ou mandava mensagem. Nestas situações é bom para mim, mas ao mesmo
tempo foi muito esgotante porque repetia as coisas muitas vezes.
Desta vez estou a proteger-me um
bocado nesse aspeto. Não respondo a mensagens. Não é por mal, porque sei que
estão todos connosco, mas torna-se cansativo. Quando saio do hospital e deixo o
Luiz, já falámos com os pais dele. Portanto eles sabem que o Luiz está bem. Vou
pelo caminho até casa a falar com a minha mãe, para ela saber que chego bem. No
fim, telefono ao meu irmão e à minha cunhada. Portanto acaba por se repetir
essas coisas. Então, como existe uma grande amizade na ESTG (extra escola), há
uma pessoa que conhece bem os meus pais e essa pessoa liga à minha mãe à noite
e ela conta-lhe como foi o dia. No dia a seguir transmite na ESTG. Acaba por
ser uma forma de passar a informação sem ser tão cansativo. Eu tenho que estar
sempre bem no dia a seguir para estar com o Luiz e para lhe dar energia
positiva.
E agora, o que é necessário?
A única coisa que quero é um
dador compatível com o Luiz. Só.
Para isso é necessário muita gente chegar-se à frente e tornar-se
dador. É uma situação que no fundo é um processo tão simples.
Se calhar, muita gente tem a
ideia de que ser dador de medula óssea era a que eu tinha. Nunca pesquisei
sobre o assunto porque nunca estive numa situação destas, como provavelmente a
maioria dos portugueses nunca teve. Sem termos alguém próximo a passar pela
situação, nós não vamos para o computador ou perguntamos a alguém o que é
leucemia. Simplesmente, não queremos saber. Não nos bate à porta. Mas de
repente quando nos bate à porta, nós começamos a procurar.
Uma coisa que sempre me disseram
é que, podemos procurar na internet, mas atenção onde procuramos, porque nem
tudo o que lá está é verdade. Se queres saber as coisas como elas são, vai ao
site da Associação Portuguesa Contra a Leucemia. Aí sim, o que lá está é
verdade. É onde tiras as tuas dúvidas.
Assim deixei de me fixar na
internet global e comecei a fixar-me na Associação Portuguesa Contra a
Leucemia. Como eu estava em Lisboa com o Luiz, fui algumas vezes à Associação.
Foi incansável, são pessoas espetaculares. Costuma haver lá ações de
esclarecimento, o que acho ser muito bom. Eu estava “sozinha” em Lisboa com o
Luiz numa luta. E depois os médicos para além de serem incansáveis são muito
objetivos. A equipa de enfermagem também é incansável mas também só nos pode
dizer certas coisas, o resto têm que ser os médicos a dizer. Nós queremos saber
cada vez mais, e desde o início que sempre quis saber tudo o que se está a
passar com o Luiz. Acabei por entrar “dentro” da leucemia, querer saber o que
é, mas nunca perguntando como é ser dador e o que é o transplante. Na minha
ignorância pensei que fosse tirar um bocadinho de osso de alguém compatível e
colocar no teu organismo. É ridículo mas era a minha ideia.
No fundo é uma ideia geral e comum… Mais comum do que se pensa.
Acredito. Sinto que é ridículo
ter pensado isso nunca ter ido pesquisar como era ser dador de medula. Porque
ser dador de medula, neste momento, pode salvar uma vida e é apenas preciso
tirar um bocado de sangue. Não é o osso, não é anestesia, não é para ir ao
bloco. Por vezes é necessário, mas em geral não costuma ser preciso.
Ser dador de medula, neste
momento é tirar um frasquinho pequenino, como quando fazemos análises, de
sangue. Essa amostra vai para o banco nacional de dadores de medula óssea.
Basta uma vez na vida que a pessoa faça isso, que fica inscrito no banco. É
claro que depois, se alguém precisar, como essa amostra já está no banco, aí
entraram em contacto com a pessoa que terá que fazer mais exames. Mas sempre na
base sanguínea, nada de osso.
É a mesma coisa do que ir fazer
análises. É claro que da primeira vez é só assim. Depois quando é para ser
dador a coisa demora mais tempo, porque está a tirar uma coisa do teu
organismo. É provável que tenhas que tomar alguma medicação só para voltares a
repor o que falta e para a tua medula trabalhar mais e produzir.
Isto que estamos a falar é como uma dádiva. Uma pessoa vai dar sangue e
para uma dádiva acaba por ser mais ou menos isto…
Sim. Normalmente quando se ouve
“ser dador de medula”, uma pessoa acha ser doloroso. Enquanto o ser dador de
sangue é quase a mesma coisa. O processo é semelhante. Nem toda a gente pode
ser dadora de medula. Antes de seres dador de medula e tirares aquela amostra
pequenina, tens que preencher um formulário. Se houver alguma contraindicação
nesse formulário, a enfermeira que está diz-te que não podes.
Neste tipo de processos, e é importante que se diga, que quando se faz
uma dádiva de sangue este é encaminhado para os hospitais. Quando nos tornamos
dadores de medula, não é só nacional, é mundial. Podemos salvar uma vida em qualquer parte do mundo.
Ficamos num banco mundial, não só
de Portugal. Quando uma pessoa é dadora de sangue, se essa pessoa não disser
que quer ser dadora de medula, nunca vai ser. Porque isto só acontece com
consentimento da pessoa. Ninguém te pode obrigar. Mas este pequeno gesto pode
salvar alguém.
E é também preciso pensar um bocadinho antes. Há pessoas que entram
neste tipo de aventura, e depois quando realmente é preciso pensam: Ah afinal não quero. E esquecem-se que
do outro lado está alguém que realmente precisa
Não estás a ser obrigado a fazer.
Antes de fazeres tens um questionário que tem um ponto que indica que, se não
queres ser dador de medula, não estejas a iludir alguém. Porque se algum dia,
alguém precisar e for compatível contigo, o banco vai entrar em contacto.
Depois crias uma expetativa na pessoa. E isso é muito doloroso para quem está
deste lado.
Tendo em conta também a dificuldade que é encontrar alguém compatível…
É muito difícil. Apesar de
Portugal ter um grande número de pessoas que são dadoras de medula óssea, mas
não quer dizer que sejamos compatíveis com alguém. Eu no meu inconsciente, na
minha esperança, digo que o Luiz, se deus quiser, já terá algum dador. Porque
se o banco é mundial, espero que tenha. Mas de qualquer forma, podemos fazer
isto pelo Luiz, para o Luiz mas para todos os doentes que estão na mesma
situação. Porque não custa mesmo. E como eu estou muito com o Luiz no hospital,
passo lá o tempo com ele. Passo por muitas coisas. Assisto a muita coisa,
porque não é só o Luiz que lá está.
Conhecemos um caso muito em
particular que tinha o transplante e há última da hora a pessoa recusou-se. É
triste, para a pessoa que foi inconsciente. E para a pessoa que está a precisar
é doloroso pensar, porque é que aquela pessoa não quis dar um bocadinho de
sangue. É muito triste. Por isso tenho a certeza que não custa.
Todos têm que ser dadores de
medula. Não pelo Luiz, mas sim porque me bateu à porta e sempre disse que essas
coisas acontecem aos outros. Mas não, acontecem também a nós. Os outros somos
nós. Isto é uma coisa que não se deseja a ninguém. Mas já que eu e o Luiz
estamos a passar por isto, também aprendemos muito.
Uma coisa é certa. Estamos a aprender que
somos fortes, que somos unidos, que nos amamos muito e que temos a certeza que
vamos vencer esta luta com toda a gente que se está a envolver connosco nesta
situação. É fundamental o apoio que temos tido e é bom saber que há tanta gente
a pensar em nós. Eu sei que tenho falhado como pessoa no aspeto de responder a
qualquer coisa. Mas estou a proteger-me para estar para o Luiz. Vamos vencer
todos juntos.
Obrigada a todos.